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Aprisionados na Liberdade

Por Miriam Alice, Psicóloga Clínica com Especializações e Psicoterapeuta de Casal e Família

Em minha prática clínica, tenho acompanhado um número crescente de famílias perplexas com o que percebem como um esvaziamento do desejo, especialmente entre crianças e adolescentes.

“Em que momento erramos?” — perguntam-se pais e mães diante de filhos imersos em apatia, desmotivação, compulsões digitais, vícios de consumo, isolamento social e crises de identidade. Em algumas famílias, são os filhos que tentam resgatar pais ausentes de si mesmos, aprisionados em rotinas anestesiadas ou em distrações compulsivas.

Familiares relatam que seus filhos colapsam diante do primeiro “não”, e buscam distrações rápidas ao invés de enfrentar e transformar a dor. Em nossa sociedade existe a dificuldade de lidar com a frustração, cada vez mais intolerável na sociedade do “sim”, mas que é essencial para a formação psíquica. E cada vez mais as pessoas identificam que a psicoterapia é o lugar para transformar fratura em força— é um espaço onde essa dor pode ser elaborada, compreendida e ressignificada.

Em setting psicoterapêutico, pode-se refletir como o excesso de escolhas e a apatia existencial são aspectos da mesma realidade: a paralisação do sujeito. Como alerta Zygmunt Bauman, com o conceito de modernidade líquida, vivemos tempos de vínculos frágeis, valores voláteis e relações efêmeras. Diante de tantas opções, de carreira, de identidade, de estilo de vida, a atual geração se vê incapacitada de escolher. O excesso de liberdade, longe de ser libertador, tem gerado paralisia e uma constante sensação de insuficiência, ou seja, a angústia impera.

Barry Schwartz, em The Paradox of Choice, argumenta que mais opções não necessariamente levam à satisfação. Pelo contrário, ampliam o medo de errar, a comparação constante e o arrependimento. O resultado é um estado crônico de inação, como se a vida estivesse eternamente em “modo de espera”.

Sherry Turkle, em Alone Together, descreve como a tecnologia digital conecta superficialmente, enquanto isola profundamente. Pessoas interagem por telas, mas fogem do toque, do olhar, do encontro real. O corpo é esquecido, a presença física perde valor, e com isso, as emoções reais se distanciam. O adiamento da vida e a ilusão da conectividade são fatores que anulam o ser e o agir. Esse cenário da reatividade, propiciado pela era da performance e da aprovação, coloca a autenticidade do sujeito em descarte. O valor de uma experiência é medido por curtidas, comentários e visibilidade. Muitos jovens agem reativamente, movidos pela necessidade de aceitação, perdendo o contato com sua verdade interior, ou seja, cai em um lugar de riscos.

Sartre e Beauvoir apontam que a liberdade é condição para a autenticidade, mas essa liberdade exige coragem, reflexão e responsabilidade. Albert Bandura, com sua teoria da autoeficácia, nos lembra que acreditar na própria capacidade de agir é decisivo para o bem-estar emocional.

Herbert Marcuse já denunciava como o consumo se tornou uma tentativa de anestesiar o sofrimento e o tédio. A promessa de felicidade vendida pela publicidade — “compre isso e será completo”, apenas reforça o sentimento de vazio. Vícios em compras, comida, pornografia, redes sociais ou substâncias são estratégias falhas para preencher a ausência de sentido, o vazio existencial.

A psiquiatra Anna Lembke, em Nação Dopamina, propõe uma hipótese inquietante: quanto mais buscamos prazer, mais mergulhamos na dor. A autora compara o funcionamento do cérebro a uma gangorra entre prazer e dor. Toda vez que buscamos estímulos intensamente prazerosos, o corpo reage tentando restaurar o equilíbrio, ativando mecanismos de desconforto. O resultado é o “rebote” de sofrimento emocional, a culpa, após o pico de prazer. Lembke defende que reaprender a suportar o desconforto é essencial para uma vida com sentido.

Como já exposto, pesquisadores e pensadores explicam por que muitas pessoas se encontram presas em ciclos de compulsão. Nesse cenário de alienações, o prazer se torna fugaz, e exige doses cada vez maiores de anestésicos.

Na direção da cientificidade, a neuropsicologia tem mostrado que o sistema de recompensa do cérebro — regido pela dopamina — está profundamente envolvido nos vícios digitais. A cada curtida, notificação ou vitória em um jogo, o cérebro se acostuma a pequenas doses de prazer imediato. B.F. Skinner já explicava como reforços intermitentes mantêm comportamentos compulsivos.

Em contextos de sofrimentos mental, social e físico, no individual e no familiar, a busca por psicoterapia tem se tornado um grito silencioso por sentido, um pedido por clareza em meio ao excesso de estímulos e escolhas. O que deveria ser liberdade tornou-se um peso — uma fonte constante de indecisão, ansiedade, depressão e angústias.

A sociedade contemporânea evita a falta e se afunda na culpa da incompletude. Mas, de forma paradoxal, é justamente na falta que o desejo nasce. É necessária a compreensão de que a ausência não é inimiga do bem-estar, mas é parte essencial do amadurecimento psíquico. E nesse território do psiquismo, a análise pessoal é essencial.

A psicanálise possibilita que o sujeito vá além da reatividade, pois ajuda a nomear conflitos, elaborar desejos e construir uma narrativa pessoal que não seja apenas reflexo do olhar do outro. Ela atua como processo de ressignificação profunda. Compreendendo os significados simbólicos por trás das compulsões, torna-se possível encontrar saídas mais saudáveis, autênticas e duradouras. Na psicanálise, é na falta que o sujeito desperta para sua condição fundante de ser desejante. Sem falta, não há desejo. Sem desejo, não há projeto de vida.

Na psicologia a resiliência — um conceito entendido como a capacidade de se reconstruir com consciência, mesmo em meio à dor — é abordada. Resiliência não significa não sofrer, mas é uma condição para transformar fratura em força.  Aceitar-se imperfeito, humano e em constante construção, em um mundo que cultiva a imagem da perfeição, é como um ato de resistência. A resiliência se constrói no encontro com a frustração e na superação das adversidades. E a psicoterapia é um terreno fértil para esse florescimento.

Pois, a psicoterapia oferece um espaço de reconexão com a experiência sensível e emocional. No setting há o espelhar e o transformar. A psicologia apresenta estratégias práticas de autorregulação, enquanto a psicanálise aprofunda o entendimento inconsciente dos ciclos repetitivos. A psicanálise, em particular, permite acessar conteúdos inconscientes que sustentam a resistência ao encontro verdadeiro com o outro e consigo mesmo. Em análise, aprender a tolerar o vazio é aprender a desejar com profundidade, pois é o desejo que nos move. Essas contribuições teóricas permitem a ruptura do automatismo e a retomada da autonomia.

Para finalizar, recorro a Viktor Frankl, que nos lembra que o ser humano pode suportar quase tudo — exceto a ausência de sentido. Em uma era de abundância de estímulos, talvez o maior desafio seja reaprender a desejar com verdade.

A psicoterapia torna-se, assim, um espaço de pausa, escuta e transformação. Um lugar onde é possível dar nome ao sofrimento, resgatar o fio da própria história e descobrir, com tempo e coragem, que a verdadeira liberdade está na condição de ser, e não apenas parecer; existir, e não apenas performar. A análise pessoal revela que a verdadeira liberdade está na condição de sustentar a própria subjetividade frente às demandas externas, elaborando a falta como eixo estruturante do desejo e reconhecendo o sentido como construção simbólica singular e contínua.

Estimados leitores, caso vocês tenham ficado com alguma dúvida, ou caso precisem de maiores informações sobre os assuntos abordados neste artigo, fiquem à vontade para me contactar:

Miriam Alice
Psicóloga Clínica com MBA & Especializações

 

Psicoterapeuta de Casal & Família.